Intercâmbio de Saberes Populares: Jovens indígenas participam de residência sobre ervas medicinais no Recife

A iniciativa do CCBA busca fortalecer conexões entre culturas tradicionais e práticas de saúde alternativa

 Com o objetivo de promover o intercâmbio de saberes populares e estreitar os laços entre diferentes territórios e culturas por meio do uso de ervas medicinais, o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA – Recife) realizou no mês de agosto de 2025 uma residência com foco em práticas de saúde integrativa.

  A ação reuniu duas jovens indígenas da etnia Xukuru do Ororubá, Maria Tatiana Rodrigues (26 anos) e Emilly Maciel de Araújo (27 anos), moradoras da Aldeia Cana Brava, localizada no município de Pesqueira, no Agreste pernambucano. Durante o período da residência, as participantes trocaram experiências com profissionais do Centro de Saúde Alternativa de Muribeca (CESAM), referência no uso e comercialização de fitoterápicos.

  Tatiana comenta que a experiência foi inovadora. “Vai fazer com que os lambedores e os chás entrem em nossas vidas de outra forma e que durem mais tempo ainda. Temos uma variedade de plantas enorme na aldeia, plantas que, às vezes, achamos que é mato. Aqui descobrimos que não é. Como o mentrasto, pega-pinto, etc.”, diz Tatiana.

  Para Emilly, a vivência ampliou a visão sobre o potencial das plantas. “Era um chá para uma coisa específica e as outras propriedades eram descartadas. E não, você pode utilizar todas as possibilidades de uma planta com a questão das tinturas. Eu nunca tinha ouvido falar e quando cheguei aqui, achei muito interessante.”

  A descoberta do uso da semente de jerimum também surpreendeu. “Lá a gente consome, guarda para plantar no ano seguinte. Já aqui, elas secam, esquentam na frigideira e trituram. O resultado é um pó que pode ser comido com fruta, no almoço… E tem vários benefícios para a saúde”, acrescenta Emilly.

Sementes de um futuro

  A proposta da residência não é apenas formativa. A intenção é que, futuramente, Tatiana e Emilly levem as duas experiências para a aldeia, aprofundando-se mais no estudo sobre as plantas medicinais e também contribuam com esses saberes em comunidades com hortas urbanas na Região Metropolitana do Recife.

  Hoje, na Aldeia Cana Brava, o uso de plantas medicinais já é parte do cotidiano, embora ainda em moldes informais. “Temos alguns rezadores na aldeia e o Pajé. Se você estiver com algum problema, ele indica uma planta medicinal, um chá ou lambedor. Às vezes, um banho ou defumação. É o que a gente tem lá. Não temos uma proposta de uma farmácia verde lá”, explica Tatiana.

  Para alcançar a etapa da produção e comercialização, no entanto, as jovens perceberam a importância de um fator essencial: a organização.

“Tem uma senhora que eu conheço que faz alguns produtos caseiros com plantas do quintal, mas poucos. Porque, para chegar na etapa de comercialização, já é um outro degrau. É preciso ter organização, um laboratório, ver como vai ser a manipulação”, diz Emilly.

  A passagem pelo CESAM foi decisiva nesse ponto. “A gente aprendeu também sobre organização, que é crucial para que o projeto ande. Elas se organizam em coletivo, com muito planejamento”, reforça Tatiana.

  Emilly completa: “Se não tiver organização, vai ficar desandado. Às vezes você foca naquilo e esquece isso. E aqui não, é tudo separado, registrado. Tem arquivos, planilhas para controlar vendas, fabricação e validade. As mulheres se revezam durante a semana no CESAM e fazem reuniões coletivas semanais para alinhar tudo.”

Conhecimento que se conecta

  A residência durou uma semana e as jovens puderam conhecer outras iniciativas além do CESAM, como o Cefomp (Centro de Educação e Formação em Medicina Popular) e a Sementeira Esperança (situada na comunidade XV de Novembro, em Paulista), assim como visitaram também a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

  A visita à UFPE aconteceu também com a participação de Douglas Viana (pesquisador da UFPE), Giselda Alves (representante do CESAM) e Luiz Soares (professor da UFPE). Na ocasião, foram visitados dois núcleos de pesquisa: o NUDATEF e o NUPIT. No NUDATEF, coordenado pelo Prof. Luiz Soares, foram apresentados os laboratórios e pesquisas sobre produtos naturais e fitoterápicos. Em seguida, no NUPIT, conduzidos pelo pesquisador Douglas Viana, o grupo conheceu a infraestrutura voltada à química analítica e à caracterização de extratos vegetais.

  Também foi discutida a parceria com o CESAM, desenvolvida por meio do Programa de Extensão Incubadora de Tecnologias Sociais da UFPE. Esse programa tem promovido projetos e ações de extensão voltadas à economia solidária, em colaboração com o CESAM e outros grupos que atuam com a manipulação de plantas medicinais e fitoterápicos na Região Metropolitana do Recife. Ambos os núcleos reafirmaram o apoio à implantação de um projeto de manipulação de ervas medicinais na aldeia Xukuru, em Pesqueira.

No ambiente acadêmico, as jovens viram de perto como a ciência também pode potencializar o poder das plantas. Tatiana lembra:

“Foi extraordinário, muita coisa inovadora, muita tecnologia. Eles mostraram um gel feito da folha da pitanga. Porque se utiliza muito mais a casca, a fruta, e a folha muitas vezes fica esquecida. E aí resolveram utilizar as propriedades das folhas para criar um gel para tratar a candidíase de repetição.”

“Lá, de uma plantinha, eles conseguem extrair o máximo dela”, completa Emilly.

  As jovens comentaram também sobre a lacuna que existe entre a universidade (conhecimento científico e acadêmico) e o saber popular. “Uma coisa que a gente achou curiosa é que eles tem um cantinho que eles, na universidade, tem alguma variedade de plantas. E aí, a gente notou que eles trabalham com a manipulação de certa planta, todo aquele trabalho químico, mas quando foram apresentar a horta para a gente, percebemos que não conhecem tanto sobre a planta em si: identificar a planta na horta, a maneira de cuidar dela e de conservá-la”, diz Tatiana. “Acho até que a parceria entre o CESAM e a UFPE seja para preencher de alguma forma essa lacuna, porque eles não têm o conhecimento empírico e popular que algumas pessoas e organizações têm”, complementa.

  Para Giselda Alves da Silva, integrante do CESAM, a experiência foi uma via de mão dupla. “A gente tanto pôde passar o que sabe como também receber delas. E isso só engrandece. Essa harmonia, essas coisas boas que elas passaram pra gente — positividade e confiança. Isso é de muita importância.”

  Giselda também enfatiza o valor de repassar os saberes populares às novas gerações: “Principalmente os saberes sobre as ervas medicinais. Porque se não passar, eles se perdem.”

  O projeto é mais um passo na construção de pontes entre saberes ancestrais e práticas contemporâneas de cuidado, com foco na sustentabilidade, soberania dos povos originários e fortalecimento da medicina popular.